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Junho ou Novembro: que importância isso tem?

Os historiadores investigam as suas fontes e podem chegar a conclusões distintas sobre acontecimentos históricos, parece-me natural de que isso aconteça, mas quando esse acontecimento é uma data, qual foi a data que ocorreu um facto histórico, talvez seja conveniente levar o labor de um historiador a sério. Claro que o achamento ou povoamento de uma ilha é um acontecimento relevante para quem habita nessa ilha, que importa afinal se é Junho ou Novembro, se foi em 1419 ou 1420? Parecem elementos pouco importantes, que só merecem uma atenção residual, o relevante é festejar o episódio, será que interessa festejar numa data com critérios precisos? Se a tradição aponta para Novembro, porque mudar os festejos se um historiador aponta para outra data?
O facto é importante porque o revisionismo histórico é comum, não é de agora, nem vai acabar amanhã, a história altera-se ao longo do tempo, nem sempre obedecendo a critérios objectivos ou taxativos, e isto é um problema, porque quem é dono da história, comanda a memória, e influencia um vínculo com o passado que determina a identidade de um povo. O problema não se resume à nossa região ou país, embora o assunto desperte acesas dissensões, com historiadores a serem ferozmente criticados por publicar sobre a expansão portuguesa ou o Estado Novo. As razões prendem-se com a crítica que a história pode ser branqueada por fins políticos ou intuitos nacionalistas, o certo é que não sabe bem em quem confiar. Para um leigo é muito difícil destrinçar se este ou aquele historiador é fiável ou objectivo. Quem tem razão? Não sabemos, podemos seguir a nossa intuição e tentar avaliar o carácter do historiador em questão, tentar perceber se é congruente ou coerente, se é aprovado pelos seus pares, se é levado a sério. O problema deste tipo de critério é que altamente sujeito a erro, o trabalho de um historiador pode ser ensombrado por não seguir um determinado tipo de alinhamento ideológico. Ou seja, é muito fácil lançar suspeitas sobre a veracidade de um relato, porque os leitores e a opinião pública pouco sabem para superar o lodo. 
Por cá, o dilema é complicado porque as autoridades denotam pouco interesse em ouvir um historiador que tem fontes concretas para avançar com datas diferentes daquelas que são oficiais, festeja-se em Novembro porque é mais conveniente, e foi essa data que ficou cunhada na memória. A dificuldade minha com esta forma de leviandade histórica, e a pouca importância que se dá a uma imprecisão, é porque vejo isso permanentemente nos debates políticos, quando não se sabe da história, qualquer estória serve, se não sabemos de um assunto, qualquer superficialidade serve. É este espírito que despreza o rigor e a veracidade que é aterrador. 

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