Avançar para o conteúdo principal

Uma concepção particular do sujeito

O debate sobre questões de fé e crença religiosa é frequente, já perdi a conta das vezes que assisti ou presenciei esse tipo de debate, tanto de crentes, como de descrentes. Para os segundos, é imperioso passar a palavra, as incoerências dos fiéis, as contradições da fé e os indícios sobre a inexistência da entidade divina. Os primeiros tentam defender-se como podem, tentando alegar que a razão não pode explicar a fé. Não sou teólogo, não me posso expressar com profundo conhecimento de causa, só que ontem li um argumento que aponta o indício forte que Deus não existe, um teólogo pode refutar o argumento com maior acutilância, mas lembrei-me que mesmo não conhecendo a teologia o argumento pode ser refutado. O argumento sintético é o seguinte:
1) Se Deus existe, deve intervir no mundo para prevenir o mal.
2) Deus não intervém no mundo para prevenir o mal. 
3) Logo, Deus não existe. 
Este argumento parte do pressuposto que Deus é omnipotente, infinitamente bom e omnisciente. Claro que podem existir outras causas para o silêncio de Deus, mas para um ateu isso é pouco importante. O argumento tal como está é um indício forte para suportar a sua crença. O problema aqui talvez seja que esta concepção de Deus é particular, ou seja, há uma concepção particular de Deus, e partindo dessa concepção particular Ele não existe. 
Para refutar este argumento, posso alegar que na minha concepção (particular), Deus são as leis fundamentais da física. Por exemplo, na minha concepção particular, Deus é a gravidade. E claro, eu posso demonstrar que a gravidade existe e faz coisas extraordinárias, logo, na minha concepção particular de Deus, Deus existe. 
Este princípio não se resume a Deus, aliás, podemos dizer que é comum no mundo da mente. Por exemplo, posso ter uma concepção particular do que é o amor ou a amizade. Posso ter concepções particulares bizarras. Posso acreditar que o amor é a satisfação total da minha vontade, e só há amor quando alguém satisfaz todos os meus caprichos. E se alguém não satisfaz a minha vontade, é porque me odeia. É uma concepção particular e eu escolho subjectivamente as premissas que permitem-me concluir se a amizade ou o amor existem ou não. O problema das concepções particulares é que podem ser herméticas, redutoras, simplistas, e até, maliciosas ou caprichosas. Partir de concepções particulares para justificar uma crença sobre Deus, o amor ou a amizade, pode ser, assim, um erro, porque podem ser ignoradas princípios fundamentais, e os critérios subjectivos podem ser enviesados. 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Léxico

zorata - doida escabujar - mexer fanchona - mulher imponente esampada - embruxada lastrar - dar lastro macanjo - palerma coitanaxo - coitado futre - ordinário récega - golpe de sol forjicada - cozinhada chambaril - pau de suspensão do porco morto galilé - alpendre na igreja esperluxar - luxar murzango - triste resulho - parte sólida do caldo mesoneiro - vendeiro (de ‘mesón’)

Tolos, Impostores e Incendiários

Talvez para percebermos Roger Scruton, devemos sintetizar primeiro a sua tradução de Burke para o idioma moderno: "o conhecimento de que precisamos para as circunstâncias desconhecidas da vida humana não deriva, nem está contido, na experiência de uma pessoa singular, nem pode ser inferido a priori de leis universais. Esse conhecimento é-nos transmitido por costumes, instituições e hábitos de pensamento traçados ao longo de gerações, através das tentativas e erros de pessoas, muitas das quais morreram durante o correspondente percurso." Trata-se de uma acepção sensata, podemos aprender com os nossos pais, avós e ancestrais, nem que seja pelos seus erros. Numa visão simplista da tese, temos que olhar para trás para perceber o que está à nossa frente. Ignorar os erros de outras gerações, assim, parece o primeiro passo para repetir os seus erros. De certa medida, não creio que ninguém ignore a sensatez de olhar para a história, de interpretar os movimentos da história de mo...