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Mensagens

A mostrar mensagens de setembro, 2018

Nelson Gonçalves - A volta do boêmio

Trecho

(...) - És um humanista. - replicou num tom irónico.  - Pois, com certeza que não. Sou um anti-niilista sem me deixar convencer pelos dotes da humanidade.  - É de valor! Serei um anti-niilista. Seremos os dois! O humanismo é lamechas. Não seremos reféns de sentimentos bambos.  (...)

Rancores Sensuais

Já testemunhei a rancores sensuais, e já li que Tony Judt escreveu sobre o assunto, em círculos intelectuais os rancores sensuais tornam-se épicos, com uma intensidade avassaladora que acaba por ter uma ressonância que propaga-se na história. O exemplo de Camus e Sartre pode ser uma mera divergência causada pelo ciúme. O ciúme é um jactante inimigo da concórdia, o rancor sensual é algo um pouco diferente, há intimidades que pagam-se caro. De modo que, o mais perigoso meio para um intelectual talvez não seja a resistência activa aos nazis, o verdadeiro perigo reside sempre nos lençóis, e tudo o que aí se passa. António e Cleópatra é um bom exemplo, a força sensual dos dois têm muito mau cariz para os romanos, foi isto que Shakespeare quis retratar, esta força, uma ameaça insidiosa, funesta para o poder de Roma.  Mas isto parece indicar que nem toda a malícia tem como causa uma maldade, há muita malícia, muito ódio, que não tem necessariamente uma causa funesta. Aquilo que quero denun

Uma longa tradição de medo

José Gil escreveu sobre o medo de existir dos portugueses, um ensaio lido há poucos anos mas que deixou uma vívida impressão. Existir é realmente um dilema, a existência é problemática, há que lidar com todo um rol de adversidades, fruto das mais variadas fontes de dificuldades, há a mórbida imaginação com figuras públicas, há a ferocidade dos detratores, há os críticos fuinhas que são muitos e com as mais paralisantes frustrações, existir é difícil, árduo, ninguém sai incólume da existência. Claro que isto não significa que não se deseje ardentemente existir. Subir na "escada social" é uma obsessão nacional, e quem se atreve a escapar da sua condição humilde sofre as mais estranhas consequências, não se admite o sucesso a qualquer um em Portugal. É preciso pedir licença para ter sucesso.  Talvez tudo isto seja apenas uma consequência do estado espiritual dos portugueses, muitos portugueses não convivem muito bem consigo próprios, não aceitam com gentileza o facto de serem

Ímpia compaixão

Houve um tempo que os dois falavam-se, trocavam impressões de versos, arte, pensamentos, sem tocar no assunto, como se esse assunto não existisse, o caso é uma mulher, uma mulher que tinha pertencido aos dois, uma mulher poderosa, sensual, forte. O primeiro tinha tido um breve caso com ela, um contacto íntimo que durou pouco até que ela o trocasse pelo segundo. Claro que tudo aconteceu com cordialidade, como se nada tivesse ocorrido, como se não houvesse maneira de arrancar rancor. Mas o ressentimento ficou, oculto, debaixo da superfície. O caso não podia ser esquecido, o primeiro foi humilhado pelos amigos, todos sabiam o que tinha ocorrido, ele ficou sem o seu caso amoroso, num momento em que todos sabiam que a amava. Ela partiu sem consideração pelos seus sentimentos, trocou-o por alguém que não merecia o seu respeito. Foi uma traição, uma sivícia, ela era a sua amada, o amor é sagrado, é inconcebível que seja rasgado por um ímpio. Os dois tinham a mais íntima das ligações, ela é u