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Mensagens

A mostrar mensagens de julho, 2018

Impostor e competente

Foi um escândalo nacional que gerou ondas de indignação por todo o país, um dos mais ferozes críticos da especulação foi revelado ao público como um especulador. Muitos criticaram, houve até pessoas que não sabiam o que acreditar, como é possível não confiar num político? Como podem pessoas que condenam o medonho capitalismo, o vil metal, serem apanhados nas malhas do lucro? Vivemos no século XXI, é inacreditável como os políticos afinal não são anjos, agentes do bem, valorosos heróis, gente com uma impecável conduta moral, como é possível esta lamentável situação? Apesar da torniturante vaga de indignação, o fluxo acabou por desfazer-se lentamente nas conversas do quotidiano, as pessoas regressaram às suas vidas, conscientes que afinal é a vida que comanda o sonho, e os políticos não são diferentes das pessoas comuns. Poucos dias depois da tremenda agitação em torno do caso do especulador, o Sr. Francisco encontrou-se com os seus comparsas numa das esplanadas do Funchal. Nesse convív

Junho ou Novembro: que importância isso tem?

Os historiadores investigam as suas fontes e podem chegar a conclusões distintas sobre acontecimentos históricos, parece-me natural de que isso aconteça, mas quando esse acontecimento é uma data, qual foi a data que ocorreu um facto histórico, talvez seja conveniente levar o labor de um historiador a sério. Claro que o achamento ou povoamento de uma ilha é um acontecimento relevante para quem habita nessa ilha, que importa afinal se é Junho ou Novembro, se foi em 1419 ou 1420? Parecem elementos pouco importantes, que só merecem uma atenção residual, o relevante é festejar o episódio, será que interessa festejar numa data com critérios precisos? Se a tradição aponta para Novembro, porque mudar os festejos se um historiador aponta para outra data? O facto é importante porque o revisionismo histórico é comum, não é de agora, nem vai acabar amanhã, a história altera-se ao longo do tempo, nem sempre obedecendo a critérios objectivos ou taxativos, e isto é um problema, porque quem é dono

Instituições Doentes

É muito difícil ser democrata quando não se sabe muito bem o que é a democracia, o pluralismo ou quais são os alicerces da liberdade. A democracia depende de condições objectivas como o primado da lei, uma constituição, instituições e sufrágios, mas a democracia também são costumes, tradições e um modo de estar. É perfeitamente possível simular uma democracia formal sem que haja liberdade ou pluralismo, especialmente, se as instituições estiverem doentes. Só que este pensamento pode ser perverso, se eu minar as instituições porque acho que estão repletas de podridão posso com a minha cura determinar o velório do doente. O conhecimento que temos das instituições é deveras imperfeito e há uma tendência que alega que os processos democráticos são morosos, que não dão uma resposta atempada aos dilemas que enfrentamos. Esta crítica assume-se contra a burocracia e os procedimentos legais. A justiça é lenta e o acesso a direitos é burocrático. A burocracia é vista como um entrave e não com

Tolos, Impostores e Incendiários

Talvez para percebermos Roger Scruton, devemos sintetizar primeiro a sua tradução de Burke para o idioma moderno: "o conhecimento de que precisamos para as circunstâncias desconhecidas da vida humana não deriva, nem está contido, na experiência de uma pessoa singular, nem pode ser inferido a priori de leis universais. Esse conhecimento é-nos transmitido por costumes, instituições e hábitos de pensamento traçados ao longo de gerações, através das tentativas e erros de pessoas, muitas das quais morreram durante o correspondente percurso." Trata-se de uma acepção sensata, podemos aprender com os nossos pais, avós e ancestrais, nem que seja pelos seus erros. Numa visão simplista da tese, temos que olhar para trás para perceber o que está à nossa frente. Ignorar os erros de outras gerações, assim, parece o primeiro passo para repetir os seus erros. De certa medida, não creio que ninguém ignore a sensatez de olhar para a história, de interpretar os movimentos da história de mo

Um animal de certezas

Não deixa de ser francamente curioso que a honestidade intelectual esteja aliada com a humildade intelectual. A humildade é um mecanismo de garantia, a dúvida é um instrumento da mente, que previne o erro, que abre a possibilidade de permanente correcção e aperfeiçoamento. A curiosidade advém do facto que, para as massas, uma autoridade intelectual é um campo de certezas, não de dúvidas, uma autoridade intelectual sabe, não duvida. Portanto, a humildade intelectual pode ser contraproducente para uma figura intelectual. Conheço um caso: é uma figura que investiu muito do seu tempo e esforço a construir uma imagem de autoridade no conhecimento. É um entusiasta das tecnologias, é um sabedor das matemáticas, nunca o vi expressar quaisquer dúvidas, mas já o vi expor os maiores disparates. Quem vive das assimetrias de conhecimento, e "vende" conhecimento, é, como qualquer vendedor, um homem de certezas infalíveis, o seu "produto" é de longe o melhor que a inteligência po

Indignação #1 - O caso Robles

O caso Robles despertou indignação generalizada, julgo que a fonte primordial deste vendaval foi o Jornal Económico . o caso tem relevância porque Ricardo Robles, vereador do BE, é um dos mais "ferozes críticos da especulação imobiliária". A minha atenção, todavia, não se prende com a incongruência do vereador, mas pelas tentativas de defender a sua posição. Houve quem dissesse que Robles é um mártir porque defende políticas que vão contra os seus  próprios interesses, houve quem alegasse que a polémica foi "pseudo-moral" (sic). O caso mais caricato na defesa da incongruência política foi de um indivíduo que alegou que os ideais ou valores políticos não pertencem ao mundo da realidade, é uma perspectiva interessante porque utópica. Podemos acreditar em valores e princípios mas ninguém deve partir do pressuposto que os praticamos no mundo real. Esta refutação da indignação lembrou-me as palavras de António Gedeão, numa forma um pouco ousada, para estes figurinos, nã

A caça

Imaginem um homem pré-histórico que parte para a caça do mamute. Ele afia o seu arsenal, prepara-se para a acção, a adrenalina percorre o seu corpo, os impulsos ficam depurados, ele está pronto para a caça, e os seus companheiros também. Eles partem do seu pequeno acampamento munidos das suas armas, conhecem os trilhos dos mamutes e sabem que as mulheres, crianças e velhos que ficam para trás têm fome, dependem deles para a sua sobrevivência, é fundamental que os homens tragam a preciosa carne assim que voltarem da caça. Nenhum dos caçadores pensa ou reflecte no que está a fazer, para eles o mamute é uma fonte de alimento, nenhum deles considera a hipótese de que o mamute se extinga. O mamute é, para estes caçadores, um animal forte, adaptado e pródigo em carne. A possibilidade da sua extinção não passa pela cabeça de nenhum dos caçadores. Pese embora, a extinção do mamute levará a uma mudança radical de hábitos. A tribo depende do mamute para comida e protecção. O fim do mamute será

O drama

Esta foto vale mais do que mil fundamentações. Mas o ponto de indignação tem uma lógica: são as árvores. Claro que à partida não concordo com o abate indiscriminado de árvores, a não ser por razões de segurança. Mas o meu dilema com esta polémica é de outro teor, não há lugar para a neutralidade por muito objectiva que seja, ou és contra ou és a favor. Ou estás afecto ao executivo da câmara ou estás contra. Ninguém considera a singela hipótese de não estares afecto a nenhuma  facção, isso é quase uma heresia. O pressuposto é simples: indignas-te porque fazes parte de algo maior do que tu. A tua opinião pertence a um corpo definido de agitação. Não há lugar para a independência. E isto tem repercussão nos debates que tenho lido. A culpa deste tipo de situação não pertence a ninguém. Se no passado opinaste pela tribo, ficas sem grande autoridade para opinar individualmente. Ou seja, o compromisso político tem um preço, tanto para a sociedade como para o cidadão. Escapar desta lógica é p

Quantos narcisistas são precisos para mudar uma lâmpada?

Se a sociedade é o homem por extenso, ou seja, a cultura e vida psíquica influenciam-se mutuamente, num constante diálogo, será que devemos temer os efeitos de uma cultura hedonista nas instituições? Como será que a sociedade vai aguentar-se estável se não houver uma cultura de dever, sacrifício e dedicação? Se todos estão preocupados com os seus prazeres, como poderão receber a missão de satisfazer interesses comuns? E depois, como governar uma sociedade que não é resistente à frustração, que almeja soluções instantâneas e sem ponderação? Até que ponto, certos traços cardinais da personalidade dos indivíduos, inferem na vida social, na democracia e no funcionamento das instituições? Explico com um exemplo: o narcisismo. É como no humor e a mudança de uma lâmpada, quantos narcisistas são precisos para tornar a vida social insuportável? E por arrasto, todo o edifício social? Já existem sinais de alerta, j ulgo que um dos dilemas da nossa era é que ninguém se julga realmente responsá