Avançar para o conteúdo principal

Um animal de certezas

Não deixa de ser francamente curioso que a honestidade intelectual esteja aliada com a humildade intelectual. A humildade é um mecanismo de garantia, a dúvida é um instrumento da mente, que previne o erro, que abre a possibilidade de permanente correcção e aperfeiçoamento. A curiosidade advém do facto que, para as massas, uma autoridade intelectual é um campo de certezas, não de dúvidas, uma autoridade intelectual sabe, não duvida. Portanto, a humildade intelectual pode ser contraproducente para uma figura intelectual. Conheço um caso: é uma figura que investiu muito do seu tempo e esforço a construir uma imagem de autoridade no conhecimento. É um entusiasta das tecnologias, é um sabedor das matemáticas, nunca o vi expressar quaisquer dúvidas, mas já o vi expor os maiores disparates. Quem vive das assimetrias de conhecimento, e "vende" conhecimento, é, como qualquer vendedor, um homem de certezas infalíveis, o seu "produto" é de longe o melhor que a inteligência pode alcançar. Não é bom para o negócio da ignorância ter dúvidas, mesmo que estas sejam garantia de qualidade. 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Léxico

zorata - doida escabujar - mexer fanchona - mulher imponente esampada - embruxada lastrar - dar lastro macanjo - palerma coitanaxo - coitado futre - ordinário récega - golpe de sol forjicada - cozinhada chambaril - pau de suspensão do porco morto galilé - alpendre na igreja esperluxar - luxar murzango - triste resulho - parte sólida do caldo mesoneiro - vendeiro (de ‘mesón’)

Com ou sem decoro?

Lembro-me de uma história sobre um rapaz "que era bom demais para ser verdade", a figura ouviu das boas porque todas as suas acções eram correctas, íntegras e cândidas, não podia ser verdade, não existe bondade assim (não estou a falar de mim). Lembro isto a propósito de Marcelo, digamos que o seu discurso é irrepreensível, mais do que perfeito, é demasiado excelso para ser verdade. Levanta a ques tão se é verdadeiro, honesto e coerente, fica a ideia que tanta bonança só pode ser premeditada, hipócrita e dissimulada, é fruto de uma mente calculista. E aqui reside um problema fundamental. O que importa? A aparência, as formalidades e os sinais exteriores do discurso? Ou a essência? Não digo que o presidente seja uma besta, mas quanto a bestas, quais são as preferidas? As que dissimulam ou as rudes e genuínas?

Karl Kraus

Karl Kraus reproduzia em espectáculos de grande impacto trechos que encontrava em jornais, assim, descrevendo a decadência dos costumes através da palavra escrita, o modo como a linguagem pode conduzir à perversão. Foi um visionário, anteviu a emergência dos nazis e a queda da Áustria ao terceiro reich. Sinto que posso fazer exactamente o mesmo nos dias de hoje, como se estivéssemos numa antecâmara de uma catástrofe. As eleições no Brasil fizeram-me compreender que a propaganda nos dias de hoje é um fenómeno horizontal, são as pessoas comuns que deliberadamente propagam a distorção dos factos, posso até achar que existem organizações em torno das fake news e tudo mais, mas a sua influência seria mínima, residual se não houvesse uma horda de ávidos colaboradores.