Avançar para o conteúdo principal

A roleta russa democrática

O caso Le Pen - Web Summit foi amplamente discutido, e os termos do debate giraram em torno da liberdade de expressão da candidata da Frente Nacional. Ainda tentei entrar no debate com a ideia de Karl Popper, é um paradoxo, mas devemos ser intolerantes com a intolerância. Mas depois reflecti sobre o assunto e cheguei à conclusão que o debate não é sobre um direito. Ser orador na Web Summit não é um direito. A Web Summit é uma iniciativa privada patrocinada pelo Estado Português e serve um conjunto de propósitos que, por muito duvidosos que sejam, não incluem patrocinar a mensagem política de Le Pen. 
É uma questão de democracia? Talvez, porque numa democracia ninguém pode ser vedado de veicular a sua mensagem. Mas a democracia não é uma musa espartana, que dá luta até esgotar as suas forças e dar lugar a outra forma de governo. A musa pode ser frágil e merece desvelo quando a sua segurança está em risco. 
A democracia tem regras e limites, Le Pen preservera na sua "luta" porque acredita que o sistema democrático está podre. Se fosse uma candidata democrata já teria aceite as duas derrotas eleitorais. Já teria admitido que o jogo democrático a tinha excluído de chegar ao poder. Ela não aceita as regras do jogo e muitos acreditam que devemos deixar que ele vá à luta as vezes que ela quiser, como se fosse uma roleta russa em que jogo perdura até que a bala seja deflagrada na cabeça da musa. 
A tolerância democrática é um valor mas não pode ser um valor absoluto, porque em democracia os valores excluem-se mutuamente, viver em democracia é reconhecer que existe um leque de valores, como a liberdade, a justiça ou a segurança que competem entre si, não são absolutos porque para ter segurança é preciso abdicar de um pouco de liberdade, e o mesmo acontece com a justiça. Assim, há um ponto de saturação que a democracia pode dizer "já chega" e isso é perfeitamente legítimo. 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Léxico

zorata - doida escabujar - mexer fanchona - mulher imponente esampada - embruxada lastrar - dar lastro macanjo - palerma coitanaxo - coitado futre - ordinário récega - golpe de sol forjicada - cozinhada chambaril - pau de suspensão do porco morto galilé - alpendre na igreja esperluxar - luxar murzango - triste resulho - parte sólida do caldo mesoneiro - vendeiro (de ‘mesón’)

Com ou sem decoro?

Lembro-me de uma história sobre um rapaz "que era bom demais para ser verdade", a figura ouviu das boas porque todas as suas acções eram correctas, íntegras e cândidas, não podia ser verdade, não existe bondade assim (não estou a falar de mim). Lembro isto a propósito de Marcelo, digamos que o seu discurso é irrepreensível, mais do que perfeito, é demasiado excelso para ser verdade. Levanta a ques tão se é verdadeiro, honesto e coerente, fica a ideia que tanta bonança só pode ser premeditada, hipócrita e dissimulada, é fruto de uma mente calculista. E aqui reside um problema fundamental. O que importa? A aparência, as formalidades e os sinais exteriores do discurso? Ou a essência? Não digo que o presidente seja uma besta, mas quanto a bestas, quais são as preferidas? As que dissimulam ou as rudes e genuínas?

Karl Kraus

Karl Kraus reproduzia em espectáculos de grande impacto trechos que encontrava em jornais, assim, descrevendo a decadência dos costumes através da palavra escrita, o modo como a linguagem pode conduzir à perversão. Foi um visionário, anteviu a emergência dos nazis e a queda da Áustria ao terceiro reich. Sinto que posso fazer exactamente o mesmo nos dias de hoje, como se estivéssemos numa antecâmara de uma catástrofe. As eleições no Brasil fizeram-me compreender que a propaganda nos dias de hoje é um fenómeno horizontal, são as pessoas comuns que deliberadamente propagam a distorção dos factos, posso até achar que existem organizações em torno das fake news e tudo mais, mas a sua influência seria mínima, residual se não houvesse uma horda de ávidos colaboradores.