Avançar para o conteúdo principal

Confiança Epistemológica

Sou um leigo em muitos assuntos, daí que o meu conhecimento sobre certas matérias dependa de outros, de especialistas, estudiosos e académicos, ou, em certos casos, de aficionados. E é um aficionado que venho defender hoje. Ele tem um canal do Youtube, com vídeos onde se debruça sobre a Segunda Guerra Mundial, especialmente, sobre a Frente Oriental. Podem encontrar o seu canal pesquisando por "TIK", ou através deste interessante link onde o aficionado exorta a se pensar criticamente. 
Este aficionado parece determinado a desmontar alguns mitos sobre a Frente Oriental, uma odisseia interessante porque, como já escrevi, a veracidade da história é relevante. O TIK quer desmontar o mito que não foram os alemães que perderam a guerra (que na Rússia chama-se a Grande Guerra Patriótica), mas sim os russos que a ganharam. À partida parece um assunto irrelevante, todos sabemos que os russos chegaram a Berlim, que importa saber este pequeno detalhe? O TIK alega que na historiografia ocidental os principais relatos sobre a Frente Oriental são de oficiais alemães e que existe a percepção que os Russos não tiveram grande mérito na vitória, os alemães perderam a guerra pela desproporção de forças e devido ao exigente inverno russo. TIK alega que este relato peca por ser muito indulgente com as forças alemães e que afinal os russos obtiveram a vitória devido à sua superioridade estratégica e operacional. Ele diz, inclusive, que em grande parte do conflito os alemães detinham mais homens e mais arsenal que os russos, e mesmo assim, apesar da desvantagem dos russos, o sucesso militar foi obtido muito cedo no campo de batalha. 
Porque é que isto é relevante? É preciso notar que a grande motivação russa para combater os nazis não foi ideológica, os russos não marcharam em nome do marxismo, mas em nome da pátria. A linguagem que Estaline utilizou na Ordem 227 não foi marxista, mas patriótica, ele apela à defesa da Mãe Pátria. Outro elemento importante nesta Frente é a diminuta participação de Estaline na guerra, ele abdicou de muito do seu poder durante este período, e tudo fez para que as decisões militares estivessem nas mãos de comandantes competentes e não nas mãos de membros do partido. Há até um relato de um guarda-costas de Estaline que diz que depois da guerra Estaline não quis receber honras militares porque ele tanto não lutou na guerra como não comandou os exércitos. A propaganda soviética também fez os seus estragos na veracidade do relato de guerra, mas o que é importante reter é que neste momento crítico os membros do partido estiveram afastados das mais importantes decisões militares, que foram tomadas obedecendo à objectividade, racionalidade e determinação patriótica. 
A importância de desmontar os mitos da guerra na Frente Oriental tem repercussão nos dias de hoje, muitos activistas, adeptos do voluntarismo e aficionados de causas estão absolutamente convencidos que o fervor ideológico é uma importante força de transformação do mundo. Talvez devam aprender com os soviéticos nos momentos críticos da Segunda Guerra Mundial, para fazer valer as suas causas é mais importante a racionalidade e objectividade do que excessos de retórica, estados de alma e alarmantes convicções ideológicas que cegam a objectividade, tão necessária para a resolução dos dilemas que estão a enfrentar. 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Léxico

zorata - doida escabujar - mexer fanchona - mulher imponente esampada - embruxada lastrar - dar lastro macanjo - palerma coitanaxo - coitado futre - ordinário récega - golpe de sol forjicada - cozinhada chambaril - pau de suspensão do porco morto galilé - alpendre na igreja esperluxar - luxar murzango - triste resulho - parte sólida do caldo mesoneiro - vendeiro (de ‘mesón’)

Com ou sem decoro?

Lembro-me de uma história sobre um rapaz "que era bom demais para ser verdade", a figura ouviu das boas porque todas as suas acções eram correctas, íntegras e cândidas, não podia ser verdade, não existe bondade assim (não estou a falar de mim). Lembro isto a propósito de Marcelo, digamos que o seu discurso é irrepreensível, mais do que perfeito, é demasiado excelso para ser verdade. Levanta a ques tão se é verdadeiro, honesto e coerente, fica a ideia que tanta bonança só pode ser premeditada, hipócrita e dissimulada, é fruto de uma mente calculista. E aqui reside um problema fundamental. O que importa? A aparência, as formalidades e os sinais exteriores do discurso? Ou a essência? Não digo que o presidente seja uma besta, mas quanto a bestas, quais são as preferidas? As que dissimulam ou as rudes e genuínas?

Karl Kraus

Karl Kraus reproduzia em espectáculos de grande impacto trechos que encontrava em jornais, assim, descrevendo a decadência dos costumes através da palavra escrita, o modo como a linguagem pode conduzir à perversão. Foi um visionário, anteviu a emergência dos nazis e a queda da Áustria ao terceiro reich. Sinto que posso fazer exactamente o mesmo nos dias de hoje, como se estivéssemos numa antecâmara de uma catástrofe. As eleições no Brasil fizeram-me compreender que a propaganda nos dias de hoje é um fenómeno horizontal, são as pessoas comuns que deliberadamente propagam a distorção dos factos, posso até achar que existem organizações em torno das fake news e tudo mais, mas a sua influência seria mínima, residual se não houvesse uma horda de ávidos colaboradores.