Não digo isto com altivez, como se o acesso à literatura fosse um passaporte social, não o é, nem o vejo desse modo. Os pergaminhos da cultura nunca ajudaram em nada em vida social, podem ter sido úteis na intimidade, nos cantos da intimidade a cultura tem saboroso valor, mas na vida social é muito pouco relevante discutir um romance, os versos de um poema ou uma ideia de um filósofo, a cultura na vida social é apenas um trunfo se poder ser usada como arma, já assisti a isso, mas nunca foi meu apanágio. Nunca usei a cultura como arma, nem tenho interesse nisso. Aliás, porque quem usa a cultura como arma geralmente é um filisteu. Mais uma vez digo isso porque testemunhei esses episódios.
A minha relação com a literatura é um antídoto da vida, enquanto a vida é caótica, confusa, cruel e inclemente, uma prosa bem construída ou um bom verso são chaves para o éden, são, assim, um bálsamo, tem um efeito terapêutico de escape, de fuga da mundanidade e da vulgaridade. Não nego a sua utilidade, para mim, a arte tem uma utilidade, torna a vida tolerável. E isso não é um propósito menor. Agora, algo que nunca compreendi são aquelas pessoas que convivem muito bem consigo próprias sem ceder à beleza de um verso. Não sei o que pensar dessa gente. Porventura, sinto inveja desses cabrões. É uma inveja sóbria, porque também há desprezo e um certo rancor. Como é possível? Digamos que considero esta plausibilidade com desconfiança. Essa gente ou é muito pobre de espírito ou tem algum mal profundo. A inveja sóbria traduz-se apenas na capacidade de superar esse vácuo. Uma aptidão que não possuo.
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