Todas as minhas leituras perdem-se na memória, sou apenas um leitor intuitivo, não um grande leitor, muito porque não estudo o texto, não cultivo as suas subtilezas, não rasuro ou deixo notas, leio apenas, e pouco mais. O papel da memória assim deixa muito a desejar, cultura é memória, não uma memória fotográfica, mecânica, mas ainda assim, uma memória funcional. Não a tenho, assim a minha cultura é incipiente, fragmentos de prosa, algumas notas fugazes. Ser culto é cultivar a memória.
A memória também deve ter um papel muito relevante na identidade, aquilo que somos é memória, não uma memória estática, de episódios com princípio, meio e fim, mas uma consciência que recria de uma memória concreta, quais são os traços da nossa identidade, qual é o nosso carácter, o que desejamos e ambicionamos. Se a memória é falível, toda a nossa identidade assenta num substrato instável. Sem fundações não há carácter. Lembro-me uma vez de um diálogo de uma conhecida, o seu discurso era uma repetição constante da sua identidade: o que sou? O que quero? O que faço? Pareceu-me na altura algo bastante tedioso, mas reconheço agora que essa litania de repetição sobre o "eu" tem os seus méritos, e quem não pratica esse exercício acaba por perder o fio de Ariadne, perde-se nas "perturbações" sem saber regressar a si, a um local seguro, ao lar espiritual.
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