Sinto-me inclinado a escrever sobre uma susceptibilidade à perturbação, conheço uma pessoa que abdicou de todas as convenções sobre a vida social, ter um emprego, um namoro, sair com os amigos ou participar na vida cívica, para viver em reclusão. Quando aludi sobre as limitações do seu modo de vida, na inevitável solidão, a miséria e dependência, ele respondeu que quando estava sozinho não havia perturbações, e que isso deixava-o num estado de caos, a reclusão, assim, é um mal menor.
Ele dá um emprego a uma palavra que levo muito a sério, a "perturbação". Para ele, os outros são uma perturbação, como não sou psicólogo ou particularmente astuto, depreendo que a sua perturbação seja uma maleita, um caso clínico, que poderia ser resolvido com fármacos. Mas ele sugere que não: "não penses que sou louco". Diz-me, apesar de ser possível que um louco fale assim. Eu apreendo, então, que o seu caso prende-se com uma aflição, uma incapacidade de barrar as perturbações do mundo, um desconcerto que ele prefere evitar, porque a perturbação é inevitável, só pode ser reprimida, suprimida e superada. E se não temos a esta preciosa capacidade, então o desconcerto do mundo toma conta de nós.
Não sou muito diferente do caso deste meu conhecido, o meu meio de superar é tornar-me indiferente ao mundo, ignorar, não dar importância ou relevância. Encontro um refúgio parcial, num livro, na solidão por opção, é uma negociação constante, entre os deveres e as obrigações por necessidades externas, e o dever de garantir uma certa harmonia interna, com os livros, com a solidão. Este meu conhecido não tolera a perturbação, ele assume que o compromisso é impossível, ele crê que não há lugar para a negociação, não é um cínico.
Respeito isso, eu próprio noto isso, para sobreviver ao desconcerto, para superar as perturbações, sou conivente com muitos aspectos que considero abomináveis, o mundo tem muitos magos da perturbação. Já perdi a conta de quantos encontrei, perturbar é um modo de vida. Li que é possível recorrer à sugestão para o homicídio espiritual e parece ser esse o intuito dos magos da perturbação. Quantas vezes fui atingido? Inúmeras, e as forças para a convalescência são cada vez mais escassas. Surpreende-me o quanto cinismo possuo quando comparado com a minha juventude. O cinismo é uma consequência destas perturbações, a vida social é uma máquina absurda de produzir cínicos. O cinismo é um mecanismo de sobrevivência, mas também é um veneno que não conheço antídoto.
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