Já testemunhei a rancores sensuais, e já li que Tony Judt escreveu sobre o assunto, em círculos intelectuais os rancores sensuais tornam-se épicos, com uma intensidade avassaladora que acaba por ter uma ressonância que propaga-se na história. O exemplo de Camus e Sartre pode ser uma mera divergência causada pelo ciúme. O ciúme é um jactante inimigo da concórdia, o rancor sensual é algo um pouco diferente, há intimidades que pagam-se caro. De modo que, o mais perigoso meio para um intelectual talvez não seja a resistência activa aos nazis, o verdadeiro perigo reside sempre nos lençóis, e tudo o que aí se passa. António e Cleópatra é um bom exemplo, a força sensual dos dois têm muito mau cariz para os romanos, foi isto que Shakespeare quis retratar, esta força, uma ameaça insidiosa, funesta para o poder de Roma.
Mas isto parece indicar que nem toda a malícia tem como causa uma maldade, há muita malícia, muito ódio, que não tem necessariamente uma causa funesta. Aquilo que quero denunciar prende-se com algo que costumo ouvir, se há ódio, há uma boa e razoável razão para isso existir (só o ódio gera ódio é uma mentira). Como diria o poeta, o contrário do ódio não é o amor, é a indiferença. Creio que os ódios mais fortes nascem do rancor sensual e do ciúme, motivados pela indiferença ou ausência de amor. Podia buscar estatísticas, números e indicadores, podia tentar validar o que aqui estou a dizer, mas dado que tenho suficientes evidências empíricas, posso assegurar que já testemunhei suficientes episódios de rancores sensuais, que estou até convencido que podem ser a causa do declínio de uma civilização.
Justamente por ter assistido a esses episódios que sei que muita maldade que assisti não é propriamente uma causa sui, a causa não tem necessariamente com o episódio em questão, aliás raramente tem a ver. Parece que o rancor sensual envenena todas as acções do sujeito, e toda a maldade dele acaba por ser um dano colateral, já que todo o ressentimento e rancor e as suas causas não podem ser apagadas, o sujeito projecta os seus instintos noutros, na vida social e colectiva, como para saciar o apetite do rancor. Veja-se o grau de intensidade do debate político, estou convencido que não é motivado por razões objectivas, como desigualdades ou injustiças, a fonte da discórdia parece ser muito mais íntima.
Se há uma razão para a literatura não morrer, esta será certamente uma. Porque nem toda uma bateria de psicólogos, psiquiatras, sociólogos e cientistas sociais consegue aplacar estes rancores sensuais, a intimidade liberta labaredas que nenhuma mente objectiva, racional e cientifica consegue acudir.
Se há uma razão para a literatura não morrer, esta será certamente uma. Porque nem toda uma bateria de psicólogos, psiquiatras, sociólogos e cientistas sociais consegue aplacar estes rancores sensuais, a intimidade liberta labaredas que nenhuma mente objectiva, racional e cientifica consegue acudir.
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